Edição nº 48
Duas histórias do deserto
O pranto da
areia | A nuvem
e a duna
"Tudo mundo sabe que a vida
das nuvens é muito movimentada, mas também muito curta",
escreve Bruno Ferrero. E vamos a mais uma história:
Uma jovem nuvem nasceu no meio de
uma grande tempestade no Mar Mediterrâneo. Mas sequer teve
tempo de crescer ali; um vento forte empurrou todas as nuvens em
direção à Africa.
Assim que chegaram ao continente,
o clima mudou: um sol generoso brilhava no céu, e embaixo
se estendia a areia dourada do deserto de Sahara. O vento as continuou
empurrando em direção as florestas do sul, já
que no deserto quase não chove.
Entretanto, assim como acontece com
os jovens humanos, também acontece com as jovens nuvens:
ela resolveu desgarrar-se do seus pais e amigos mais velhos, para
conhecer o mundo.
- O que você está fazendo?
- reclamou o vento. - O deserto é todo igual! Volte para
a formação, e vamos até o centro da África,
onde existem montanhas e árvores deslumbrantes!
Mas a jovem nuvem, rebelde por natureza,
não obedeceu; pouco a pouco, foi baixando de altitude, até
conseguir planar em uma brisa suave, generosa, perto das areias
douradas. Depois de muito passear, reparou que uma das dunas estava
sorrindo para ela.
Viu que ela também era jovem,
recém-formada pelo vento que acabara de passar. Na mesma
hora, apaixonou-se por sua cabeleira dourada.
- Bom dia - disse. - Como é
viver aí embaixo?
- Tenho a companhia das outras dunas,
do sol, do vento, e das caravanas que de vez em quando passam por
aqui. As vezes faz muito calor, mas dá para agüentar.
E como é viver aí em cima?
- Também existe o vento e o
sol, mas a vantagem é que posso passear pelo céu,
e conhecer muita coisa.
- Para mim a vida é curta -
disse a duna. - Quando o vento retornar das florestas, irei desaparecer.
- E isso lhe entristece?
- Me dá a impressão
que não sirvo para nada.
- Eu também sinto o mesmo.
Assim que um novo vento passar, irei para o sul e me transformarei
em chuva; entretanto, esse é meu destino.
A duna hesitou um pouco, mas terminou
dizendo:
- Sabe que, aqui no deserto, nós
chamamos a chuva de Paraíso?
- Eu não sabia que podia me
transformar em algo tão importante - disse a nuvem, orgulhosa.
- Já escutei várias
lendas contadas por velhas dunas. Elas dizem que, após a
chuva, nós ficamos cobertas de ervas e de flores. Mas eu
nunca saberei o que é isso, porque no deserto chove muito
raramente.
Foi a vez da nuvem ficar hesitante.
Mas logo em seguida, tornou a abrir seu largo sorriso:
- Se você quiser, eu posso lhe
cobrir de chuva. Embora tenha acabado de chegar, estou apaixonada
por você, e gostaria de ficar aqui para sempre.
- Quando lhe vi pela primeira vez
no céu, também me enamorei - disse a duna. - mas se
você transformar sua linda cabeleira branca em chuva, terminará
morrendo.
- O amor nunca morre - disse a duna.
- Ele se transforma; e eu quero mostrar-lhe o Paraíso.
E começou a acariciar a duna
com pequenas gotas; assim permaneceram juntas por muito tempo, até
que um arco-íris apareceu.
No dia seguinte, a pequena duna estava
coberta de flores. Outras nuvens que passavam em direção
à África, achavam que ali estava parte da floresta
que andavam buscando, e despejavam mais chuva. Vinte anos depois,
a duna havia se transformado num oásis, que refrescava os
viajantes com a sombra de suas árvores.
Tudo porque, um dia, uma nuvem apaixonada
não tivera medo de dar sua vida por causa do amor.