Edição nº 233

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Odessa é assim


Odessa é assim

Catarina a Grande recebe em pleno inverno algumas caixas de laranja recém-colhidas. Um bilhete diz que vieram de um porto longínquo, parte do seu império. “Veja do que somos capazes: mas precisamos de sua ajuda para crescer”. Impressionada, a Imperatriz de todas as Rússias manda uma quantidade enorme de dinheiro, para que o tal porto possa desenvolver-se ainda mais.

Na verdade, as laranjas haviam sido trazidas de outros países, através do Mar Negro. Sem dizer mentiras, o bilhete para a imperatriz tampouco explicava toda a verdade. Como vim aprender assim que desembarquei ali, continuando os 90 dias que me propus a peregrinar pelo mundo sem destino certo, a frase mais ouvida na cidade é: “Odessa é assim”.

Quando resolvi viajar, sabia que precisava de pelo menos um compromisso oficial a cada semana: me ajudaria a resistir à tentação de interromper o caminho no meio e voltar para o Brasil antes da hora. Neste caso, aceitei vir à Ucrânia a convite do governo, para o fórum sobre 20 anos do desastre atômico de Chernobyl. O evento duraria apenas uma tarde, e o vento estava me levando para a Ucrânia; portanto decidi ficar mais uma semana ali. Quando me perguntaram o que desejava fazer, expliquei que estava tendo encontros “surpresa” com meus leitores, normalmente avisando com apenas dois ou três dias de antecedência. Onde seria o tal encontro?

- Odessa – respondi.

Todos pareceram muito surpresos. Por que Odessa? Por causa de Sergey Kostin, que teve um projeto selecionado pela Fundação Schwab (da qual sou membro da diretoria). Nos encontros em Davos (a fundação é ligada ao Fórum Econômico Mundial) eu ficava impressionado com aquele ucraniano que, sem falar inglês, conseguia mostrar seu projeto e sensibilizar homens de negócio que freqüentam Davos. Sergey insistia que eu devia conhecer sua cidade; como estava sendo guiado por impulsos e sinais, achei que tinha chegado a hora. Mantendo uma tradição que começou em Puente la Reina, que o livreiro local organizasse uma festa/noite de autógrafos, para 50 leitores escolhidos através de sorteio.

Um amigo nos emprestou seu avião. Quando desembarcamos, a minha representante na Rússia pede para ver o tal convite da festa, e certificar-se de que está tudo bem.

- Mas não tem nem data, nem local, nem hora!

- Odessa é assim – responde o livreiro. – Os que receberam o convite telefonarão 3 horas antes e receberão as informações necessárias. Caso contrário, teremos muitos ingressos falsificados.

Achamos que não irá ninguém, mas peço a Natasha que não se preocupe, não temos nenhuma expectativa. Visito a escadaria onde acontece a cena mais forte do filme “Encouraçado Potemkim”, de Eisenstein – a única referência que eu tinha sobre a cidade. Já que Odessa é assim, a festa é um sucesso, aparece muito mais gente do que o esperado. O livreiro me apresenta a um homem gigantesco, que gostaria de fazer minha escultura.

Jamais aceitei este tipo de proposta porque sei que significa ficar dias posando, e pretendo voltar para Kiev na manhã seguinte. Mas o livreiro insiste:

- Apenas uma hora. Odessa é assim.

É a Páscoa ortodoxa, um dia importante para a cristandade. Sinto que devo aceitar apenas para lhe dar prazer; a volta a Kiev será um pretexto verdadeiro para limitar minha permanência em seu estúdio.

Vou até lá com alguns amigos. Alexander Petrovich Tokarev, o escultor, diz que passou a noite em claro rezando (um costume na igreja ortodoxa). Mesmo sem dormir, começa o trabalho. Eu estou um pouco ansioso: não conseguirá nada em tão pouco tempo. Está suando em bicas, suas mãos não param, mas seus movimentos são precisos, uma espécie de balé espiritual. Os trabalhos ao redor mostram sua genialidade e talento, entendo seu amor, e sua capacidade de realizar coisas que aparentemente são impossíveis, e meu coração está triste, porque daqui a pouco terei que dizer que devo ir embora.

Entretanto, uma hora depois a escultura está pronta: mais uma vez me foi lembrado que quando se deseja uma coisa, todo o Universo conspira a favor.

Por que devo ficar surpreso? Odessa é assim!

 

Nota: quem desejar pode ver todo o processo e o resultado em www.paulocoelho.com > Galeria de Fotos> 2006

 
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