Edição nº 229
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A cidade
Caminho pela cidade grande como já caminhei por outras tantas neste mundo, e assisto as mesmas cenas: o homem que caminha com o celular, o rapaz que corre para pegar o ônibus, a mãe passeando com o carrinho de bebê, dois jovens que se beijam em um parque, garotos que jogam futebol em um terreno, igrejas, sinais de trânsito, anúncios. Espero junto com um grupo de pessoas para atravessar a rua, olho sem interesse os monumentos que sempre mostram grandes homens, pensativos, carregando o mundo em suas costas.
Caminho pela cidade grande onde não falo a língua local, mas que diferença isso pode fazer? Nas cidades grandes ninguém conversa com ninguém – estão todos imersos em seus problemas, sempre com pressa. E se estiverem sentados em uma praça, ou esperando um ônibus, alguém que se aproxime será visto como uma ameaça. O desconhecido é suspeito, isso nos ensinaram desde a infância, e isso seguimos o resto de nossas vidas. Por mais miseráveis ou solitários que estejam, por mais que precisem dividir a alegria de uma conquista ou a tristeza que sufoca, é melhor e mais seguro ficar em silêncio.
Mesmo assim, abordo alguém: não falamos uma língua comum. Tento uma segunda, uma terceira pessoa, até que um senhor – também ele apressado, como todos os outros – responde a pergunta que gosto de fazer, e cuja resposta quase sempre adivinho:
- Quem é a pessoa a quem deram o nome desta rua?
- Não tenho a menor idéia. O senhor está perdido?
Explico que sei onde se encontra meu hotel, e agradeço. Na grande parte das ruas de minha cidade, daria a mesma resposta: não sei de quem se trata o homenageado. A glória do mundo é transitória, assim dizia Paulo em uma de suas epístolas.
Caminho pela cidade, que está separada do meu apartamento por mais de dez mil quilômetros de distância, mas cuja única diferença é a visão do mar; em tudo o mais as duas se parecem, e me pergunto o que estou fazendo há quase dois meses fora de casa. Resolvi celebrar estes vinte anos de peregrinação a Santiago de Compostela com 90 dias de viagem, indo na direção que o vento me conduz, aceitando alguns compromissos profissionais porque isso me impediria de resistir à tentação que neste momento me invade com toda força: voltar. Será que tomei a decisão errada, fui muito radical? Retorno ao hotel, farei outra vez as malas, me despedirei de novo dos amigos, enfrentarei os controles de segurança no aeroporto, e seguirei adiante, para outra grande cidade, onde me esperam praticamente as mesmas coisas.
Entro no meu quarto, ligo o computador, e visito o blog que criei para esta viagem. Meus leitores colocam seus comentários, e parece que um deles adivinhou o que estava sentindo hoje, porque conta uma história:
“Era uma vez um homem pobre mas corajoso que se chamava Ali. Trabalhava para Ammar, um velho e rico comerciante. Certa noite de inverno, disse Ammar: “ninguém pode passar uma noite assim no alto da montanha, sem cobertor e sem comida. Mas você precisa de dinheiro, e se conseguir fazer isso, receberá uma grande recompensa. Se não conseguir, trabalhará de graça por trinta dias”. Ali respondeu: “amanhã cumprirei esta prova”. Mas ao sair da loja, viu que realmente soprava um vento gelado, ficou com medo, e resolveu perguntar ao seu melhor amigo, Aydi, se não era uma loucura fazer esta aposta. Depois de refletir um pouco, Aydi respondeu: “vou lhe ajudar. Amanhã, quando estiver no alto da montanha, olhe adiante. Eu estarei também no alto da montanha vizinha, passarei a noite inteira com uma fogueira acesa para você. Olhe para o fogo, pense em nossa amizade, e isso o manterá aquecido. Você vai conseguir, e depois eu lhe peço algo em troca.” Ali venceu a prova, pegou o dinheiro, e foi até a casa do amigo: “você me disse que queria um pagamento.” Aydi agarrou-o pelos ombros: ”sim, mas não é em dinheiro. Prometa que, se em algum momento o vento frio passar por minha vida, acenderá para mim o fogo da amizade.”
O leitor termina o comentário no blog: “independente de onde estiver agora, obrigado por ter nos visitado. Quando resolver retornar ao nosso país, sempre estará aceso para você o fogo da amizade”.
E embora a solidão da viagem ainda continue em minha alma, entendo melhor o que estou fazendo aqui.
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